O Mistério Cósmico Resolvido: Como Buracos Negros Supermassivos Disparam Jatos de Energia
É um fato científico bem estabelecido que a maioria das galáxias no Universo abriga um Buraco Negro Supermassivo (BNS) em seu centro. Essa presença colossal leva ao que chamamos de Núcleo Galáctico Ativo (NGA), ou, de forma mais popular, “quasares”. Esses fenômenos são tão notáveis que, temporariamente, ofuscam todas as estrelas de suas galáxias com a quantidade de luz e radiação que emitem. Em 2019, a colaboração Event Horizon Telescope (EHT) nos presenteou com a primeira imagem de um BNS, o que reside no coração da galáxia M87. No entanto, muito antes desse feito histórico, um astrônomo já havia detectado um poderoso jato emanando do centro dessa mesma galáxia.
O descobridor foi Heber Doust Curtis, um astrônomo americano que, no início do século XX, defendia a ideia de que as nebulosas observadas no céu noturno eram, na verdade, galáxias distantes. Desde então, os astrônomos têm estudado exemplos desses Jatos Relativísticos que brotam dos BNSs em muitas galáxias massivas. Mas, afinal, o que causa esses jatos? Graças a uma equipe de físicos teóricos da Universidade Goethe e suas simulações avançadas, agora podemos responder a essa pergunta com mais confiança.
A Dança Cósmica da Gravidade e da Rotação
Devido à sua gravidade intensa e à energia de rotação, os BNSs forçam o gás e a poeira a formar discos ao seu redor, conhecidos como discos de acreção. Nesse disco, a matéria é acelerada a velocidades relativísticas, ou seja, muito próximas à velocidade da luz. Em alguns casos, essa matéria é ejetada do disco pelos polos do buraco negro, formando os “jatos relativísticos” que podem se estender por milhares de anos-luz.
Para entender a complexidade desses jatos, vamos usar a Técnica Feynman:
O que é um Jato Relativístico? Imagine que você está girando uma mangueira de jardim muito rápido. A água que sai dela é ejetada em linha reta e com muita força. Um buraco negro giratório faz algo parecido, mas em vez de água, ele ejeta plasma (gás superaquecido) e, em vez de uma mangueira, ele usa campos magnéticos. A palavra “relativístico” significa apenas que o plasma está se movendo tão rápido que as regras normais da física (aquelas que usamos no dia a dia) precisam ser ajustadas pelas teorias de Einstein.
Com base no sucesso da imagem do BNS de M87, a equipe da Universidade Goethe desenvolveu um código numérico para descrever como os buracos negros transformam sua energia rotacional nesses jatos ultrarrápidos. O estudo foi publicado recentemente no The Astrophysical Journal Letters.
O BNS no centro de M87, por exemplo, tem uma massa colossal de seis bilhões e meio de massas solares e gira rapidamente em seu eixo. Essa energia rotacional é o que alimenta o jato relativístico que se estende por mais de 5.000 anos-luz. Esses jatos são cruciais, pois dispersam energia e matéria pelo meio intergaláctico, influenciando até mesmo a evolução de outras galáxias.
O Mecanismo por Trás da Força
Por décadas, a teoria mais aceita para explicar a formação desses jatos tem sido o Mecanismo Blandford-Znajek.
O que é o Mecanismo Blandford-Znajek? Pense em um buraco negro giratório como um dínamo gigante no espaço. Ele não tem partes móveis físicas como um motor, mas sua rotação arrasta o espaço-tempo ao seu redor. Se houver linhas de campo magnético presas a esse buraco negro (como se fossem elásticos cósmicos), a rotação do buraco negro as torce e as estica. Essa torção gera uma voltagem elétrica que, por sua vez, acelera o plasma para fora, ao longo dos polos, como um raio cósmico. Em essência, o buraco negro está “roubando” sua própria energia de rotação para alimentar o jato.
Liderada pelo Prof. Luciano Rezzolla, a equipe do Instituto de Física Teórica da Universidade Goethe criou um código chamado Frankfurt Particle-In-Cell (FPIC). Esse código foi projetado para rastrear o movimento do plasma e o comportamento dos campos eletromagnéticos ao redor de buracos negros de Kerr (os que estão em rotação). O FPIC combina o Mecanismo Blandford-Znajek com um processo adicional: a reconexão magnética.
A Nova Descoberta: Reconexão Magnética
Usando o supercomputador Goethe em Frankfurt e o Hawk em Stuttgart, as simulações modelaram como a gravidade poderosa de um buraco negro influencia a evolução de partículas carregadas e campos magnéticos, seguindo as equações de Maxwell e a Teoria da Relatividade Geral de Einstein.
Os resultados revelaram uma intensa atividade de reconexão magnética no plano equatorial do BNS.
O que é Reconexão Magnética? Imagine duas cordas elásticas muito esticadas (linhas de campo magnético) que se aproximam e se rompem. Quando elas se rompem, elas se reconectam instantaneamente com outras linhas de campo, liberando uma enorme quantidade de energia de forma explosiva. É como um curto-circuito cósmico. No Sol, isso causa erupções solares. Perto do buraco negro, essa explosão de energia cria bolhas condensadas de plasma energético (plasmoides) que se movem a velocidades relativísticas.
Essa reconexão magnética, seguida pela geração de partículas de energia negativa, alimenta os jatos, as erupções de plasma e outros fenômenos extremos. “Nossos resultados abrem a fascinante possibilidade de que o Mecanismo Blandford-Znajek não seja o único processo astrofísico capaz de extrair energia rotacional de um buraco negro, mas que a Reconexão Magnética também contribua”, disse o coautor Dr. Filippo Camilloni.
O Prof. Rezzolla conclui que códigos numéricos sofisticados como o FPIC são cruciais para entender o que acontece perto de um buraco negro: “Com nosso trabalho, podemos demonstrar como a energia é eficientemente extraída de buracos negros em rotação e canalizada para jatos. Isso nos permite ajudar a explicar as luminosidades extremas dos núcleos galácticos ativos, bem como a aceleração de partículas a quase a velocidade da luz.”
A ciência continua a nos mostrar que, mesmo nos cantos mais extremos do Universo, a física tem maneiras surpreendentes de transformar a rotação e o magnetismo em espetáculos de energia cósmica.




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