Geólogos Descobrem Evidências da “Proto-Terra” de 4,5 Bilhões de Anos

Geólogos Descobrem Evidências da “Proto-Terra” de 4,5 Bilhões de Anos

Imagine que a Terra, como a conhecemos hoje, não é a sua versão original. Parece coisa de ficção científica, certo? Mas cientistas do MIT e de outras instituições fizeram uma descoberta surpreendente: encontraram vestígios raríssimos da proto-Terra, o nosso planeta em sua forma primordial, que se formou há cerca de 4,5 bilhões de anos. Essa descoberta é crucial porque, antes de uma colisão gigantesca que mudou tudo, a composição da Terra era bem diferente. Os resultados, publicados na revista Nature Geosciences, são como peças de um quebra-cabeça cósmico, ajudando-nos a entender os ingredientes iniciais que formaram a Terra e o restante do nosso sistema solar.

O Início de Tudo: Poeira Cósmica e o Grande Impacto

Bilhões de anos atrás, o sistema solar era um disco giratório de gás e poeira. Pense nisso como uma grande nuvem de ingredientes cósmicos que, com o tempo, foram se juntando e formando os primeiros meteoritos. Esses meteoritos, por sua vez, se uniram para criar a proto-Terra e outros planetas vizinhos. Nessa fase inicial, a proto-Terra era provavelmente um mundo rochoso e borbulhante de lava, um lugar inóspito e em constante transformação.
Mas a história não para por aí. Menos de 100 milhões de anos depois, um meteorito do tamanho de Marte colidiu com o nosso jovem planeta. Esse evento, conhecido como o “grande impacto“, foi tão violento que misturou e derreteu completamente o interior da Terra, reiniciando sua química. Por muito tempo, acreditou-se que todo o material original da proto-Terra havia sido completamente transformado e perdido para sempre.

Uma Assinatura Química Inesperada

No entanto, as descobertas da equipe do MIT sugerem o contrário. Os pesquisadores identificaram uma assinatura química em rochas antigas que é diferente da maioria dos materiais encontrados na Terra hoje. Essa assinatura se manifesta como um desequilíbrio sutil nos isótopos de potássio encontrados em amostras de rochas muito antigas e profundas. A equipe concluiu que esse desequilíbrio de potássio não poderia ter sido causado por impactos anteriores ou por processos geológicos atuais na Terra.
O que são isótopos de potássio? Imagine que o potássio é como uma família de irmãos. Todos são potássio, mas alguns são um pouco mais “pesados” que outros. Esses “pesos” diferentes são os isótopos. Na Terra, o potássio geralmente aparece em uma combinação específica desses irmãos. Mas nas rochas antigas, os cientistas encontraram uma proporção diferente, como se um dos irmãos estivesse faltando um pouco. Essa diferença é a anomalia isotópica de potássio.
A explicação mais provável para a composição química dessas amostras é que elas são restos da proto-Terra que, de alguma forma, permaneceram inalterados, mesmo após o grande impacto que transformou a maior parte do planeta. “Esta é talvez a primeira evidência direta de que preservamos os materiais da proto-Terra“, afirma Nicole Nie, professora assistente de Desenvolvimento de Carreira Paul M. Cook em Ciências da Terra e Planetárias no MIT. “Vemos um pedaço da Terra muito antiga, mesmo antes do grande impacto. Isso é incrível porque esperaríamos que essa assinatura muito antiga fosse lentamente apagada ao longo da evolução da Terra.”
Outros autores do estudo incluem Da Wang da Universidade de Tecnologia de Chengdu na China, Steven Shirey e Richard Carlson da Carnegie Institution for Science em Washington, Bradley Peters da ETH Zurich na Suíça, e James Day da Scripps Institution of Oceanography na Califórnia.

Uma Anomalia Curiosa: O Potássio como Rastreador

Em 2023, Nie e seus colegas analisaram muitos dos principais meteoritos coletados em todo o mundo. Esses meteoritos se formaram em diferentes épocas e locais do sistema solar, representando as condições mutáveis ao longo do tempo. Ao comparar a composição química desses meteoritos com a da Terra, eles identificaram uma “anomalia isotópica de potássio“.
Essa anomalia sugeriu que qualquer material que apresentasse um desequilíbrio semelhante provavelmente era anterior à composição atual da Terra. Em outras palavras, um desequilíbrio de potássio seria um forte indício de material da proto-Terra, antes que o grande impacto redefinisse a composição química do planeta. “Nesse trabalho, descobrimos que diferentes meteoritos têm diferentes assinaturas isotópicas de potássio, e isso significa que o potássio pode ser usado como um rastreador dos blocos de construção da Terra”, explica Nie.

“Construído Diferente”: Buscando a Anomalia na Terra

No estudo atual, a equipe procurou sinais de anomalias de potássio não em meteoritos, mas dentro da própria Terra. As amostras incluíram rochas em pó da Groenlândia e do Canadá, onde são encontradas algumas das rochas mais antigas preservadas. Eles também analisaram depósitos de lava coletados no Havaí, onde vulcões trouxeram alguns dos materiais mais antigos e profundos do manto da Terra (a camada mais espessa de rocha do planeta, que separa a crosta do núcleo).
“Se essa assinatura de potássio fosse preservada, procuraríamos por ela em tempos e profundidades geológicas”, diz Nie.
A equipe dissolveu as amostras em pó em ácido, isolou cuidadosamente o potássio e usou um espectrômetro de massa especial para medir a proporção dos três isótopos de potássio. Surpreendentemente, eles identificaram nas amostras uma assinatura isotópica diferente do que é encontrado na maioria dos materiais da Terra.
Especificamente, eles encontraram um déficit no isótopo de potássio-40. Na maioria dos materiais da Terra, esse isótopo já é uma fração insignificante. Mas os pesquisadores conseguiram discernir que suas amostras continham uma porcentagem ainda menor de potássio-40. Detectar esse pequeno déficit é como encontrar um único grão de areia marrom em um balde cheio de areia amarela – é muito sutil, mas significativo.
A equipe confirmou que as amostras exibiam o déficit de potássio-40, mostrando que os materiais “foram construídos de forma diferente”, diz Nie, em comparação com a maioria do que vemos na Terra hoje.
Mas poderiam essas amostras ser remanescentes raros da proto-Terra? Para responder a isso, os pesquisadores assumiram que sim. Eles raciocinaram que, se a proto-Terra fosse originalmente feita de materiais deficientes em potássio-40, a maior parte desse material teria sofrido mudanças químicas – devido ao grande impacto e a impactos de meteoritos menores subsequentes – que resultaram nos materiais com mais potássio-40 que vemos hoje.
A equipe usou dados de composição de todos os meteoritos conhecidos e realizou simulações de como o déficit de potássio-40 das amostras mudaria após impactos de meteoritos e do grande impacto. Eles também simularam processos geológicos que a Terra experimentou ao longo do tempo, como o aquecimento e a mistura do manto. No final, suas simulações produziram uma composição com uma fração ligeiramente maior de potássio-40 em comparação com as amostras do Canadá, Groenlândia e Havaí. Mais importante, as composições simuladas correspondiam às da maioria dos materiais modernos.
O trabalho sugere que materiais com déficit de potássio-40 são provavelmente material original remanescente da proto-Terra.
Curiosamente, a assinatura das amostras não corresponde precisamente a nenhum outro meteorito nas coleções dos geólogos. Embora os meteoritos no trabalho anterior da equipe mostrassem anomalias de potássio, eles não são exatamente o déficit visto nas amostras da proto-Terra. Isso significa que os meteoritos e materiais que originalmente formaram a proto-Terra ainda não foram descobertos.
“Cientistas têm tentado entender a composição química original da Terra combinando as composições de diferentes grupos de meteoritos“, diz Nie. “Mas nosso estudo mostra que o inventário atual de meteoritos não está completo, e há muito mais a aprender sobre a origem do nosso planeta.”

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